Missão 1, 2021 – Causos Tradutórios

A Missão:

Vocês deverão enviar um relato sobre algum “causo” engraçado que lhes aconteceu na carreira, mas daqueles de nos arrancar lágrimas, fazer a barriga doer, faltar ar nos pulmões e nos fazer rolar no chão de tanto rir. Vale para intérpretes de cabine, consecutivos ou de libras também! Os causos devem ser verídicos, mas podem conter uma dose saudável de ficção. (Até 350 palavras).


Equipe: Ipsis e Litteris

Último dia em Roma. Conta no hotel fechada. Malas na recepção à espera. Saio para passear, fazer hora, usando uma veste que ganhei na Alemanha de amigo brasileiro. Gostoso, larguinho, branco.

Deparo-me com grupo de homens trajando o mesmo tipo de veste e que, ao me verem, começaram a vociferar e a caminhar ferozmente em minha direção. Nem tentei entender o que diziam e saí na disparada voltando para o hotel. Na época, não entendi nada.

O porteiro, rapagão italiano bonitão e sedutor, me deixou ficar no bar. Paguei-lhe com um disco do Roberto Carlos que também ganhei na Alemanha. Presente não se recusa. Pois bem, ele colocou o LP na radiola! e me pediu para traduzir as letras das músicas para ele.

Estava tudo indo muito bem. Eu havia feito 3 anos de italiano e as letras eram simples, certo? Eis senão que chegaram outros hóspedes – cada um nativo de uma língua e que não falava outra. Eu no inglês com um, no francês com a outra, o outro em alemão e o italiano a querer saber o que estava rolando no disco, cantado em português, claro.

Fui traduzindo para cada um deles, e estavam todos felizes. Eu, me sentindo o máximo, a salvadora de perdidos desesperados numa Roma quente com os pilotos da Alitalia em greve.

Ríamos, comentávamos as letras, cada um sentindo a música com seu universo particular.

De repente, percebi que se entreolhavam meio assustados. Voltei minha atenção para o entorno e passei a me escutar. Entendi tudo! Eu estava traduzindo para eles tudo misturado – a estrutura de uma língua, o vocabulário de outra, uma mixórdia linguística pura e sincera, cheia de boas intenções.

Começamos a rir sem parar do inusitado idioma que desenvolvi para atender a todos. Em agradecimento, ofereceram-me um drink para aliviar meu embaraço tradutório geral.

Os pilotos voltaram ao trabalho, cada um seguiu seu rumo. O disco ficou lá. Hoje eu sei que o grupo de homens que quase me linchou eram muçulmanos. Ignorância cultural minha que quase acabou em tragédia.


Equipe: Gii’n’Kelli

No HIIT, curso de interpretação em Curitiba, era tradição dar o feedback sanduíche: um elogio, as críticas mais pesadas (preferencialmente de forma construtiva), e, por fim, outro elogio e sugestões para melhorar. Chegou o fim da semana, e com ele o temido feedback dos professores.

Na minha vez, Richard Laver, que muitos conhecem, solta: “A Raquel sempre insiste em começar o feedback com um elogio. No seu caso, Kelli, não vai rolar. O que raiosh são CIDADÕESH?”

Afundei na cadeira, talvez em busca da dignidade perdida, e nunca mais entrei numa cabine sem colocar um post-it bem chamativo com a palavra “cidadãos”.

Como ainda tenho mais duzentas e tantas palavras, vai outro, também do HIIT. Palestrante falando em português, e eu me achando incrível. A interpretação para o inglês fluía como água. Concabina me olha estranho, mas não percebi nada de errado. Concabina me cutuca, eu nem olho. Cutuca a segunda vez, cutuca a terceira, e eu finalmente olho: “Kelli, você está falando em português!”

E eu penso “sim, óbvio, dã…. WHAT???” Sim, eu estava fazendo um belo de um shadowing, em vez de interpretar. Não era à toa que estava tão fácil. No que meu rosto demonstra todo o meu choque, olho para o canto e, claro, o destino não podia ter sido mais sacana comigo: Richard estava ouvindo justamente a minha cabine e ria de quase caía da cadeira. Ainda bem que era aula…


Equipe: Gin e Cana

Uma das grandes alegrias de trabalhar com idiomas é ter uma sensibilidade apurada aos diversos sentidos de uma palavra, e isso se torna minha maior qualidade durante as reuniões com clientes e superiores.

Certa vez, minha equipe estava passando por um momento de incerteza. Queríamos muito realizar determinado trabalho, mas dependíamos da aprovação da gerência. Num fim de tarde, nosso supervisor nos informou que teria uma reunião com a gerente naquele mesmo dia e traria uma resposta oficial na nossa reunião da manhã seguinte. Conforme combinado, nos reunimos no dia seguinte e obtivemos a seguinte resposta: “A reunião de ontem foi até tarde e foi muito difícil convencê-la, pois estava muito relutante. Porém, hoje cedo acordei com ela e deu tudo certo”. Esse cara tem técnica de persuasão.

Outra história aconteceu com o Simão, gerente odiado pela maioria da equipe e que adora aportuguesar palavras em inglês. Todo e-mail vem com um pedido para “schedular” uma tarefa, “tryoutar” um processo ou “postponar” uma atividade. Certo dia, tentando ganhar moral com a equipe, me chamou para uma conversa particular e disse, sorridente: “Estou aqui para suportar você”. Sem titubear, concordei: “Eu também”. Nunca fui tão sincero.

Trabalhar com a língua tem suas vantagens.


Equipe: Cozinha Tradutória

A tradução, a pesquisa e o algoritmo surtado

Certa vez, iniciei a tradução de uma obra infantojuvenil. Enquanto realizava o trabalho, precisei fazer uma série de pesquisas um tanto quanto incomuns para o meu perfil de usuário da internet. De tipos de brincadeiras infantis a jogos de cartas e tabuleiro, passando por manuais de instrução em busca da terminologia que mais se adequasse ao texto em questão. Com isso, o algoritmo de pesquisa começou a ser alimentado como jamais antes. Isso acabou resultando em uma série de sugestões peculiares misturadas ao que já existia.

No meio de tantos instrumentos e acessórios musicais, gelecas e primeiros jogos de laboratório se misturavam. Quase um ano já se passou desde que realizei esse trabalho, mas até hoje o Google não parece ter certeza se eu me interesso mais por um baixo Fender ou por uma bateria Hello Kitty, mas carrego uma tranquilidade: ainda bem que não precisei traduzir obras picantes daquelas das dezenas de paletas de uma mesma cor.

Acho que o algoritmo explodiria.


Equipe: At least we tried… sort of

Recebi, depois de alguns anos na área de tradução, a oportunidade de realizar o meu primeiro trabalho para dublagem de uma série. Muito animada, mas também nervosa, dei início à tradução, maravilhada com aquele momento, pensando como é bom trabalharmos com o que gostamos. Em uma cena na qual dois personagens estavam almoçando, um deles comentava sobre coisas difíceis de engolir, dentre elas “spermwhale”.

Na hora, eu, obviamente, achei que tivesse tudo a ver, dah. O que seria mais difícil de engolir que um esperma de baleia? Mas não era qualquer baleia também, era um esperma de baleia cachalote. Mais específico impossível! Só a imagem mental já é terrível por si só. Eis que, não sei por que, mas agradeço todos os dias por isso, conversando com outros tradutores, surge a tal “spermwhale”, e a grande ficha do universo me acerta como um raio, e eu me dou conta da IDIOTICE QUE EU FIZ. SIMPLESMENTE ABRO O ARQUIVO QUE ENVIEI PARA A EMPRESA O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL E VOU CONFERIR. NÃO QUERO ACREDITAR QUE FIZ ISSO, MAS FIZ. EU. FIZ.

DESESPERADA, MANDO E-MAIL PARA A COORDENADORA DE PROJETOS SEM O MENOR DECORO “PLMDDS, PEDE PARA REGRAVAR ESSE TRECHO, NÃO PODE SER”, ao que ela me responde, super na paz, “Calma! Vamos ajeitar!” e eu pensando “POR QUE COLOCAR SPERM PERTO DE QUALQUER COISA QUE NÃO SEJA SPERM” já com lágrimas nos olhos e esperando os fiscais de tradução virem confiscar minha carteirinha.

Depois de um tempo, a tal série vai ao ar, e eu, MORRENDO DE VERGONHA, vou lá ver que fim levou o “spermwhale”, e graças aos bons deuses da tradução, ficou tudo bem, e nenhuma spermwhale foi machucada…. ou engolida.


Equipe: As BA-RIO dobrado

Sexta-feira, mais um lote finalizado! A sensação de dever cumprido veio acompanhada dos cumprimentos do companheiro, que esperava há algum tempo para adormecer ao lado meu lado.

Banho, ritual de beleza meia-boca e descanso para o corpo que passou horas a fio travando a luta para manter a postura e a produtividade; os olhos cansados e os dedos que teclaram o dia inteiro aguardavam ansiosos o repouso. É uma daquelas noites nas quais a coisa mais sexy que o maridão pode dizer é “durma bem, amor”. Duas décadas de convivência fazem toda a diferença nesses momentos: como se lesse meus pensamentos, o mozão deu aquele beijinho carinhoso e desejou boa noite.

Tudo perfeito. Silêncio. Luz apagada. Temperatura agradável. Marido, filhos e bichos dormindo profundamente. Viro para um lado, para o outro, de bruços, para cima e a cabeça continua a mil. “Caramba, acho que dei mole naquele trecho, preciso conferir!”. E, nessa pegada, levanto pela primeira vez.

Liga PC, abre planilha, corre atrás de termo, faz busca online. Verifica novamente. Mais que pregada, repito para mim mesma que o trabalho está bom. Volto para a cama com o esposo perguntando se aconteceu algo. Digo que não e peço que volte a dormir.

Agora, posso relaxar. Tudo certo com a tarefa. “Será que olhei em todas as abas, está tudo bem mesmo? Sem ter certeza, não vou apagar tão cedo!”. E lá vai a criatura quase sonâmbula para o segundo round.

Dedo no botão Power novamente, dessa vez com a supervisão da Pudineuza. Até a gatinha Pudim se incomodou com a movimentação. Nesse ponto, meu consorte observa indignado a procissão quarto-escritório. Ele, que deixou de “sextar” porque sabia do meu cansaço, viu a noite passar praticamente em claro por algo que, na visão dele, deveria ser resolvido em dia útil e horário comercial.

A madrugada avançou entre idas e vindas, queixas e miados, todas e mais algumas tentativas de revisão. Até que, num golpe de misericórdia, a exaustão derrotou a operária da palavra que parecia querer esgotar as infindáveis possibilidades de tradução.


Equipe (?)

Primeiro serviço de interpretação simultânea presencial depois do isolamento social a gente nunca esquece. Escolhi a melhor roupa, os melhores sapatos de salto e obviamente a melhor máscara, mesmo sabendo que ninguém repara no intérprete que fica dentro da cabine no fundo da sala. Como era uma reunião com temas de alta confidencialidade, acabei ficando em uma sala separada, e o sistema de interpretação era preparado especificamente pela organização. A delegação local estava presencialmente e as outras delegações, incluindo Portugal e Brasil, estavam conectadas via videochamada em seus respectivos países.

O sistema de videochamada não podia ser como os comerciais que conhecemos por causa da segurança da informação. Em resumo, eu ouvia por um fone de ouvido o que falavam em espanhol pelo microfone e tinha que interpretar pelo microfone de um telefone para os brasileiros e portugueses que ouviam no viva-voz. Quando falavam em português, eu ouvia pelo telefone e tinha que falar por outro microfone para as delegações que entendiam espanhol. Haja rapidez para ficar trocando de aparelho sem colocar o microfone na orelha e o fone na boca!

Quando chegou a vez da delegação de Portugal falar, eles disseram que não precisariam de interpretação porque falavam espanhol, eu resolvi esticar as pernas, aliviada porque poderia descansar um pouco; mas quando eles começaram a falar, eu entrei em desespero, pois não sabia se interpretaria ou não, porque eram duas palavras em português, três em espanhol e uma em portunhol que eu nem sabia em que canal falar! No meu desespero por voltar à posição, acabei quebrando um dos saltos do sapato, comecei a anotar tudo o que o diretor estava falando e depois fiz uma intepretação consecutiva.

Finalmente, deu tudo certo! No final da reunião, o presidente da delegação local queria me conhecer para me parabenizar pela intepretação e pela solução que eu tinha dado para a delegação de Portugal. Lá fui eu toda plena, com um sapato de salto e o outro sapato na pontinha do pé, porque vida de intérprete é uma mistura de malemolência e correria, mas perder a elegância? Jamais!


Equipe: G. I. Ju

Tesouro Escondido

Isso já faz alguns anos. Uma empresa do Texas me contratou para um serviço de interpretação. Seu representante viria da Itália para se encontrar comigo e juntos receberíamos a delegação do Brasil. Lá fui eu para o aeroporto toda arrumada: cabelo, unha, maquiagem, salto alto… Eles chegaram, embarcamos na kombi que nos esperava e fomos para o local da interpretação. Era um centro de gestão de dejetos sólidos e eu não sabia exatamente o que esperar. Era o lixão!

Nossa primeira parada foi na sede administrativa. Um prédio simples e elegante. Nos sentamos numa sala de conferência muito confortável e conversamos sobre as necessidades da delegação. Eu estava muito feliz de não termos que ir ao lixão. Ledo engano! A delegação pediu para ver o local das operações.

Estava eu ali, em pleno lixão, debaixo de um sol de rachar, toda plena, pensando: “O que estou fazendo aqui, meu Deus? Me arrumei tanto pra isso?”. Como se já não bastasse todo o perrengue em si, tenho um olfato supersensível! Imagina a minha situação em um lugar tão “perfumado” como aquele? Meu glamour já tinha ido embora e eu estava a ponto de vomitar quando um dos clientes se aproxima de mim e pergunta: “Você está bem?”. Eu respondi que não, que o cheiro estava me deixando muito mal. E o cliente responde tomando um fôlego daqueles, assim, homéricos: “Ah, minha filha, esse é o cheiro do dinheiro!”.

Dinheiro é bom, todo mundo gosta, mas podia ser cheiroso, né?!


Equipe: A-Forces

Como testar o “desconfiômetro” de uma tradutora iniciante.

Uma das coisas mais comuns que ouvimos enquanto tradutoras e tradutores é a questão de desconfiar de tudo quanto é termo: afinal, os achismos e falsos cognatos parecem existir somente para testar nossas virtudes de paciência, tolerância e, claro, nossas habilidades com pesquisa – MUITA pesquisa, diga-se de passagem.

Uma das principais traduções que fiz, logo nos primeiros meses de carreira, foi a de um documento da área de petróleo. Queria mostrar um bom trabalho (não que eu não quisesse nas traduções anteriores… Deixe-me retratar: queria mostrar que, mesmo não tendo experiência prévia nessa área, conseguiria entregar um trabalho que dissessem “Uau, mas essa mulher faz um trabalho bacana pra chuchu!”), assim sabia que a pesquisa seria duplamente importante.

E lá fui eu me aventurar, cheia de esperança e determinação, nessa tarefa árdua que seria lidar com vocabulário tão distinto, tão profissional. Meus olhos brilhavam, os pássaros cantavam, a vida me dava indícios que estava tudo OK. Não é?

Sim. Só que não.

Desconfiei na primeira christmas tree que vi: obviamente não falavam de nenhum enfeite natalino no documento.

Estanquei perante a half-mule shoe: achei que eu errei o documento e agora lia uma história infantil.

Reli a frase em que aparecia o rathole: afinal, foi ali que aconteceu a dogleg severity? Deve ter machucado, já que foi preciso um dog collar. E ficaram com pena do animal, já que várias vezes mencionaram poor boy…

Agora, mudcake não parecia descer bem em nenhum sentido. Seria ele feito pelo mud engineer?!

O vocabulário era um tanto incomum, e depois de muita pesquisa – não apenas para encontrar os correspondentes adequados, mas para garantir que realmente fossem os corretos, por mais “absurdos” que parecessem – aprendi uma das grandes lições da tradução: se nem tudo o que reluz é ouro, nem todo termo cognato é realmente um falso cognato. Ou algo que o valha. Esse foi uma das primeiras vezes que São Jerônimo testou meu “desconfiômetro” como tradutora. Tomara que ele não tenha fotos das caras de interrogação e desespero que fiz nesse dia!


Equipe: A Química Literária

Atenção: o texto a seguir é contraindicado para pessoas de estômago sensível. Ou fresco.

Sempre tive um estômago delicado. Fresco, diriam alguns. Sabendo disso, nunca como nada pesado antes de eventos… ou quase nunca.

20/11/2015, Rio de Janeiro. Véspera do III Café com Tradução. Colegas se reúnem num bar para jogar conversa fora e rir um pouco. Conhecendo meu estômago, bebo só suco e belisco umas coisinhas leves. Até chegarem as fritas com queijo e linguiça. O cheirinho vinha até mim como aquelas nuvenzinhas de desenho animado, a tentação materializada. Você resistiria? Eu também não.

Corta pro dia seguinte. Acordo meio enjoada, atribuo ao nervosismo pré-palestra e não dou muita importância. Tomo um café da manhã leve e pego um Uber com colegas para o local do evento. A distância era de uns 25 quilômetros. Pra quem já estava enjoada, era loooooonge, muuuuuito longe! Na metade do caminho, o enjoo piora. Peço pro motorista encostar, mas não dá tempo: abro a janela e chamo o Hugo com o carro em movimento. Por um milagre da física que até hoje não entendo, nem uma única gota pegou no carro!

Seguimos o caminho. Minha palestra era uma das primeiras, claro que eu daria conta. Daria? Dou a palestra apoiada numa cadeira escondida atrás do púlpito do palco, mal me aguentando em pé, mais branca do que já sou, mas dou. Saio de lá correndo pro banheiro. O Hugo foi chamado várias vezes naquele dia, coitado.

Volto pra sala do evento ainda enjoada e me deito no chão lá no fundão, na porta da salinha da técnica. Ia passar logo, com certeza. Será? Logo chega o Petê Rissatti, me vê largada no chão e começa a me exorcizar: “Ê, mizifia, o trem foi baum ontem, hein? Vem cá, vem! SAI DESSE CORPO QUE NÃO TE PERTENCE!” Agora vocês imaginem a pessoa enjoada, largada no chão e gargalhando! Porque é claro que logo juntou um monte de “amigos” pra rir da minha cara. Felizmente não ficou nenhum registro disso. Alguma compaixão meus amigos tiveram, apesar das gargalhadas à minha custa…


Equipe: As Luluzinhas

Era uma vez uma tradutora sem formação ou experiência, perigosamente traduzindo um documento sobre engenharia (outra tradutora faria a revisão e supervisão deste documento). Logo de cara, me deparei com um termo que não conseguia identificar do que se tratava. Pesquisa vem, pesquisa vai, termos isolados, termos combinados, termos afins, google imagens: nada. Seria um barco, uma máquina que combina o ar, um catavento… Hm…

Marquei a dita palavra como um barco, afinal a referência apareceu no próprio site da empresa do documento, e segui traduzindo o resto do documento, em dado momento, devido ao contexto, entendi que o catavento nada mais era do que isso, um catavento, porém gigante; estávamos tratando de uma hélice eólica. Um assunto que eu sei um total de zero coisas, depois disso nunca mais aceitei textos para traduzir que não fossem de uma área afim.

]Não é um mico, mas é o mais próximo de um quase mico. Se eu tivesse enviado daquela forma o texto teria sido inútil, e eu uma péssima tradutora. Ainda bem que agora com a formação da i2b sei o que devo fazer para esse tipo de situação não acontecer mais: avaliar o texto antes de aceitar.


Equipe: Traduza-me se for capaz

Em um fatídico dia de novembro, eu, na época tradutora iniciante, fui acordada pelo que parecia ser um tsunami, era o meu intestino declarando guerra contra o meu corpo. O vizinho de cima em obra. Não sei o que era pior, a minha dor de barriga ou de cabeça. Cheguei correndo no banheiro e me deparei com uma infiltração. Não sabia se corria para dentro ou para fora. Decidi entrar. Após reviver o que parecia a bomba de Hiroshima, por baixo e por cima, resolvi virar gente.

Toda essa situação não era nada perto do meu caos financeiro. Não tinha um puto na carteira, muito menos na conta. Procurava trabalho até atrás da cortina. Liguei o computador e me deparei com a oportunidade da minha vida… um teste para uma agência de tradução. A maravilhosa chance de traduzir 2 mil palavras a 0 reais. Isso mesmo, 0 reais. Em 48h. “No fundo do poço, a única saída é por cima”, pensei.

Passei os próximos 2 dias alternando entre a tradução, o encanador, o pandemônio do vizinho e a vida de rainha… no trono. 47 horas depois estava eu revisando a tradução, olheiras do tamanho de um bonde. Consegui enviar o arquivo aos 45 minutos do 2o tempo, mas orgulhosa e certa de ter feito um bom trabalho.

Dias depois, meu banheiro já não parecia mais uma cena de guerra, já a minha ansiedade… ainda não havia recebido resposta da agência. Tentei espairecer e entrei em uma rede social. Como desgraça pouca é bobagem, o primeiro post que vi foi o de um colega denunciando o golpe da mesma agência, que enviava “testes” aos tradutores para conseguir traduções de graça. Eu, ingênua que era, descobri ser prática recorrente no mercado. Indignada, enviei e-mail à agência perguntando sobre o resultado do teste. Aguardo resposta até hoje…

Bem, estava me esvaindo em merda e nela continuei, mas otimista que sou, resolvi seguir com a cabeça erguida. Lição aprendida, um estoque monumental de Floratil e a certeza de que nunca mais cairia em um golpe na minha vida de tradutora. E assim foi. Salve, São Jerônimo!


Equipe: Chimpanzé e Babuína

Quando eu trabalhava como tradutora interna, grande parte do trabalho envolvia revisões de traduções. Numa dessas, já era tarde da noite, e eu fazia a última etapa de revisão antes de o livro ser publicado pela editora. Estava eu lendo um capítulo sério do livro, que tratava do sofrimento da comunidade LGBTQIA+ no Brasil.

Eis que me deparei com a seguinte frase lá pelas tantas: “Você é um extraterrestre pronto para lutar em defesa das pessoas LGBTQIA+?”. Daí eu pensei: “Mas que porra de bruxaria é essa?”. Estamos falando de uma distopia, os aliens resolveram nos salvar dos transfóbicos porque mais ninguém vai nos ajudar? E que raio de pergunta é essa, se eu fosse um alienígena, eu não estaria lendo isso aqui em português, e sim em klingon ou qualquer outro idioma que os aliens usem hoje em dia. Foi então que olhei o original mais uma vez e constatei que a pessoa que traduziu cometeu um pequenino equívoco. Ah, sem contar que o batalhão de revisores que leu aquele erro grosseiro também deixou passar. O romance tórrido dela entre aliens e pessoas da Terra teria de esperar, porque o texto dizia “ally”, não “alien”.

Mas calma que teve outro vexame: o coitado do desenhista da capa já tinha até feito um desenho vívido dos aliens verdinhos, alegres e contentes, empunhando espadas contra os “tudofóbicos” de carreirinha. Era uma cena digna do universo do Tolkien! E a minha revisão chegou pra acabar com essa festa.


Equipe: Distrito 12

Como os dois tributos (aka participantes) são estudantes e estão em transição de carreira estamos com um problema de falta de causos! Entretanto, se o objetivo é a humilhação de um das partes, talvez esse breve relato sirva para alegrar nossos juízes.

Em 2016 eu precisava de dinheiro (tipo, precisava muito de dinheiro) para poder fazer uma viagem para o Canadá. Por essa razão comecei a aceitar todo e qualquer trabalho possível, tipo: vender brigadeiro, trabalhar de personal chef (tenho formação em gastronomia), ter bolsa de pesquisa em psicologia (minha área), ser fotografa para uma imobiliária, dar aulas de inglês particular… e, em um momento muito menos glorioso, me vestir de uma bactéria gigante.

Sim, uma bactéria gigante… Para uma campanha sobre maneira correta de higienizar alimentos e os risco de não os lavar direito. E eu era a bactéria que mora na folha de alface.

Pois bem, estava sendo uma bactéria sob um calor de 40°C de fevereiro, e um colega meu do teatro, que também estava trabalhando no dia… em trajes menos humilhantes, estava comentando que o artigo científico do mestrado dele tinha sido aprovado para publicação, mas precisava ser traduzido para o inglês. Minha versão de 2016 viu um oportunidade.

Infelizmente mais duas pessoas presentes também viram.

Então, cada um dos três começou a listar os porquês de serem mais qualificados pro trabalho. Eu enfim falei que estava tentando juntar dinheiro pra minha viagem e queria muito fazer a tradução e era qualificada porque era professora de inglês.

Depois e alguns rounds ele enfim se decidiu e anunciou: a bactéria parece mais desesperada!

E foi assim que consegui minha primeira tradução! E é 100% verdade esse bilete.


Equipe: Las Chicas

O plano era simples: drinques no fim do dia. Eu, meu marido e Tom, amigo nosso. Já era quinta, o que nos países muçulmanos equivale à sexta, e estávamos animados. Combinamos que meu marido me avisaria quando saíssem do trabalho e eu iria encontrá-los. Meu relógio marcava exatamente 16h quando recebi uma mensagem:

– Amor, no bar. – E antes que eu pudesse responder – Tom can’t make it.

Se tem uma coisa que faço rápido é tirar conclusões. E, claro, muitas são precipitadas. Foi por isso que, parada no corredor do shopping, senti a raiva e a frustração me dominarem. ‘Que diabo de marido cancela uma saída com a esposa só porque o amigo não pode ir? E simplesmente cancela, nem pergunta se ainda quero ir?’

Achei o fim da picada. E fiz aquilo que qualquer mulher madura faria: respondi com ‘fine’ e guardei o telefone na bolsa. Dei meia volta, comprei um ingresso para o cinema e só voltei a olhar o celular duas horas depois.

Cinco mensagens dele. ‘Homens, a gente precisa ser dura para eles entenderem que são insensíveis. Aposto que me escreveu perguntando se estou chateada, pedindo desculpas…’

Às 16:30h:
– Cadê você?
Às 16:45h:
– On your way? Peço ‘seu’ margarita?
Às 17:15h:
– Amor, tudo bem?
Às 17:30h:
– Amor, I’m worried. I’m getting the check and will be waiting for you at home.
Às 17:50h:
– At home. Where are you??

E foi então que, com duas horas de atraso, enfim compreendi que “No bar” era um adjunto adverbial de lugar e não um jeito indelicado de cancelar nosso programa. Uma reviravolta que só a vida compartilhada com um estrangeiro pode roteirizar.

Poderia ter morrido de rir, mas quis morrer de vergonha, tinha feito a louca. ‘Com que cara vou dizer que ignorei as mensagens dele porque estava com raiva de uma coisa que nem aconteceu?’

E quando cheguei em casa e me expliquei, foi entre aliviado, perplexo e um pouco chateado com a minha reação que ele me disse:

– Acho vou parar de falar português.


Equipe: Desce um Shot Change Aí

“Eu estava lançando legendas num festival de cinema que tinha legendagem eletrônica em que as legendas são projetadas separadas do filme. Eu estava dentro da sala de cinema e o filme era um documentário sobre o período da ditadura chilena. Só que nas legendas o ditador que assumiu a presidência em 1973 foi o… Pinóquio.

E todas as vezes que citavam o nome do ditador, a legenda o chamava de Pinóquio. A plateia ria toda vez que isso acontecia. Eu queria me esconder debaixo da cadeira do cinema.

Quando acabou a sessão, liguei pro meu colega que traduziu o filme para saber o que tinha acontecido e por que ele tinha trocado o nome do Pinoche por Pinóquio. Depois de uns segundos de silêncio, ele foi conferir o arquivo. O que houve é que na hora da revisão, ao passar o corretor ortográfico, o programa trocou Pinochet por Pinóquio. E como foi um filme que chegou na véspera, ele teve que traduzir correndo de madrugada. O mais louco de tudo foi que, no fim da sessão, teve gente da plateia comentando que aquilo devia ter sido uma proposta do diretor do filme.”


Equipe: Super criativo

Para começar esse desafio, preciso esclarecer que aqui o negócio não é MICO, são FELINOS! Eis que, no início da minha carreira real-oficial como tradutora, trabalhei como intérprete na produção de um documentário internacional em Maringá, PR. Meu trabalho seria intermediar a interação entre o videomaker e uma família, acompanhando o dia a dia deles por cinco dias. Mas o assunto da filmagem só seria informado quando o produtor chegasse aqui.

(PAUSA DRAMÁTICA. Neste momento, é importante lembrar que o Paraná é a Rússia brasileira, então o cenário para a bizarrice estava completo). Tudo certo, fui buscar o cara, um romeno, no aeroporto, a 100 km daqui – a carona estava prevista no pacote. Mas, claro, não estava incluso o fato de o cidadão resolver tirar o sapato dentro do carro, com um chulé de 24 horas viajando… Até aí, tudo bem (bem… uma história em que o chulé do cara é o menor dos problemas não pode dar muito certo!)

Dia seguinte, vamos trabalhar. Na locadora, o cara tinha reservado um carro “grande” – o maior que tinha era uma Doblö que, obviamente, não foi localizada. Tretas à parte, quando enfim conseguimos, reparei que as letras da placa eram OMG (já era um sinal!). Logo em seguida, fui obrigada a assinar um termo de responsabilidade – por cinco dias, não importa o que acontecesse, eu não sairia daquele carro durante a produção.

Hein? Como? Gente, tudo normal: era só porque a família criava, no próprio quintal, nada mais, nada menos do que sete tigres e dois leões (e um chihuahua!). A produtora não podia correr o risco de ser processada pela intérprete ter perdido um braço ou algo assim! Coisa pouca! E desse jeito iniciei minha carreira – cinco dias dentro de um carro, a 1,5 m dos pequenos animais, que nadavam na piscina, tomavam mamadeira e subiam em árvores! Tudo acompanhado de uma família altamente disfuncional, um romeno doido e um calor de 40 graus. Mas também rendeu minha pequena participação no Animal Planet, refletida no retrovisor!

E pra ninguém achar que estou mentindo, segue uma versão curtinha do material produzido: https://youtu.be/xwidefc2wpc


Equipe: Double Trouble

Há uns bons 4 anos, quando eu ainda estava completamente envolvido nos labirintos da tradução técnica, eu trabalhava com um cliente. Poucos meses depois, fui aprovado pra trabalhar com outro cliente, da mesma área. Os projetos eram muitos, a demanda diária de ambos era muito alta. E eu me desdobrava pra dar conta de atender os dois. Vou chamar de Clientes A e B.

Porém uma noite, depois de uma semana intensa, enviei meu último projeto. Mal sabia eu que tinha enviado o projeto para o cliente errado. Pois bem, no dia seguinte, o Cliente A, que havia recebido meu projeto errado, me chamou para conversar. Ele me disse não apenas que o Cliente B, que deveria ter recebido meu projeto, era seu principal concorrente, como também tinha conflitos pessoais com o Cliente B, como se fossem rivais, por assim dizer. Eu fiquei completamente sem graça, afinal como freelancers temos que diversificar nossa carteira de clientes. O Cliente A assumiu aquilo como pessoal. Me perguntou quanto eu ganhava com o seu rival e me disse que me pagaria mais para que eu aceitasse mais projetos com ele. Ele não me pediu para “abandonar” a outra empresa, mas disse que queria vencer seu rival com competência.

Claro que eu aceitei, afinal quem não gosta de ganhar mais? Como sou muito sortudo, o Gerente B também descobriu que eu trabalhava com o Cliente A por conta do LinkedIn. Ele curtiu um post que eu compartilhei do Cliente A. E sem falar nada a respeito, me chamou no particular e me ofereceu um pequeno aumento no meu pagamento, desde que eu aceitasse mais projetos com ele também.

Moral da história: foi a primeira vez que amei estar no meio de chumbo trocado, e a primeira vez que me beneficiei diretamente de uma guerra tradutória. Ambos clientes continuam em pé de guerra até hoje, e às vezes ainda visitam o meu perfil no LinkedIn para saber se já deixei de trabalhar para algum deles.


Equipe: Ligeiras e Invocadas

Eu fiz um evento de 2 dias como intérprete de português e espanhol. Deveria durar 8 horas, mas acabou durando 2 horas adicionais. Lá pela NONA hora de evento, minha concabina e eu, que já não aguentávamos mais interpretar uma vírgula devido ao cansaço, ficamos animadas quando o evento (que recebeu personalidades do vôlei no Brasil) se encaminhou para as perguntas e considerações finais. Feliz da vida, seguimos interpretando… fiquei com a parte final.

Quando o moderador da roda de conversa começou a lista de agradecimentos, respirei fundo e pensei “ótimo, vamos lá, já está quase acabando”. Eis que ele diz “Foi uma honra estar aqui hoje…”, o que não é nada demais, nenhum termo técnico ou nome bizarro para tentar levar para o espanhol. Abri a boca para começar a falar e, quando me dei conta, havia traduzido “Fue un HORROR” em vez de “UN HONOR”.

Olhei para o lado, com aquela expressão de desespero que nos invade nesses momentos, minha colega acenava (ao mesmo tempo que ria) e tentava me ajudar a retomar as forças para corrigir o engano. Sinceramente, depois demos muita risada do acontecido. Não sei quantas pessoas ainda estavam com os fones escutando a interpretação, mas nunca esqueci desse dia. A colega e eu somos amigas desde então, o evento de longas horas rendeu boas risadas e uma parceria de trabalho até hoje.


Equipe: Agregados Antenados

Certa feita, o senhor Cainã,
um cidadão decente
e bem convincente
veio procurar a gente.

No afã de ser espertalhão,
queria solicitar uma tradução
e veio falando e se gabando:
“sou do exterior, senhor,
e preciso da tradução deste documento,
com precisão, é um testamento,
para ser feito a contento.
Mas, veja, por favor, um descontão!
Eu não acho justo cobrar por acentos ou pontuação!
Apenas pelo texto traduzido, meu amigão!”

O pedido foi concedido, eis a tradução:
“Quero deixar os meus bens a minha irma nao a meu cacula que mora fora do pais e a sua baba nunca vou pagar a odete nada doarei aos mais humildes ou camelos jamais vou ajudar meus pais peco para cuidarem dos carnes da loja de maios atenciosamente Caina Bonanca”
Essa e a traducao que voce me pediu sem acentos ou pontuacao muito obrigado pela confianca e ate a proxima

Depois desse dia,
quem diria,
o senhor Cainã, sem perspicácia,
jamais teria audácia
de pedir desconto de pronto.
Acento e pontuação
fazem parte da tradução,
de quem é antenado e leva a sério a profissão!